sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

um funcionário de um banco suíço ofereceu ao estado alemão uma lista de cidadãos que terão, presumivelmente, fugido aos impostos





sugere-se a leitura das notícias referidas nos links apresentados. segue o comentário:

esta questão coloca em cima da mesa a necessidade de uma profunda reflexão sobre o papel do estado. nos países da união europeia os estados estão com uma carga fiscal brutal e com défices monstruosos. Na Suíça, país fora da União Europeia mas pertencente ao espaço económico europeu, as contas públicas estão equilibradas, a carga fiscal é irrisória quando comparada à carga fiscal na EU, as instituições funcionam, há uma moral comum extremamente desenvolvida, que faz com que haja pela parte dos cidadãos uma cultura de trabalho e cumprimento das regras estabelecidas. Há ordem, bem estar social e prosperidade como em mais nenhuma parte da Europa, com uma população multi-étnica, multi-linguística (são línguas oficiais o alemão, o francês, o italiano e o romanche) e multi-religiosa (católica, protestante, calvinista, judaica, e, hoje, também muçulmana, fruto da imigração) que convive em paz. Há participação dos cidadãos na política (em geral há pelo menos 3 referendos por ano para que a população possa deliberar sobre inúmeras questões, como reformas na justiça, economia, opções sobre obras públicas, etc, etc, etc). Há justiça, há ensino da maior qualidade (as universidades de Zürich e Lausanne são sistematicamente colocadas no topo dos rankings das universidades mundiais), há enorme preocupação ecológica. A pobreza é residual, sendo impossível diminuí-la, porque na Suíça segue-se o princípio, correcto quanto a mim, de que as pessoas não devem viver da “solidariedade”, mas sim do trabalho, que, como dizia Adam Smith, “é a única forma de produção de riqueza”. Quando se viaja na Suíça está-se sempre a passar em frente a fábricas de produtos que todos conhecemos e consumimos – eu pergunto o que dirá um suíço ao passear por Portugal, será que ele conhece os poucos produtos que nós cá produzimos?

Ao seu estado os suíços chamam “Treuersystem” – sistema fiel. Porque os protege no que tem que proteger. Porque gera a ordem pública. Porque serve os cidadãos.

Na Suíça tudo funciona, e bem. Para um português, é um choque positivo quando lá chega, e um choque extremamente negativo quando de lá regressa.

Posto isto, colocar-se esta questão: deve a Alemanha ou não comprar informações obtidas de forma ilícita apenas para poder sacar mais uns milhões em impostos?

A única resposta possível que uma pessoa honesta daria é um rotundo NÃO!

O sigilo bancário é um valor essencial numa sociedade. Remete para a privacidade do cidadão, que é um valor indiscutível e fundamental. No entanto, investigação criminal é, por definição, as autoridades competentes intrometerem-se na e coscuvilharem a vida privada dos cidadãos, se necessário, para averiguarem se este cometeu algum crime. Al Capone não anunciava no jornal quem ia matar no dia seguinte, e quem era o seu súbdito que seria encarregue dessa missão.

Hoje em Portugal contesta-se o facto de haver escutas ao primeiro ministro por ser uma intromissão na sua vida privada. Contesta-se até, pasme-se, o facto de se reproduzir nos media declarações que o primeiro ministro (provavelmente o pior de que há memória) fez em voz alta num restaurante (espaço de acesso público), de tal forma que as pessoas que estavam na mesa ao lado ouviram. No entanto acha-se que não deve haver sigilo bancário, devendo haver um verdadeiro “striptease” das contas bancárias dos cidadãos. A contradição é evidente, e a preservação do sigilo bancário essencial, devendo apenas ser levantado no âmbito de uma investigação criminal, tal como são feitas a intercepção de correspondência, de chamadas telefónicas ou de endereços de computadores ligados à internet.

Mas isto depende das leis do estado, devendo respeitar-se a soberania de cada país, aspecto este fundamental na ordem política mundial. Se há países onde existe pena de morte, discriminação das mulheres, violação sistemática dos direitos humanos e ninguém faz nada, porque é que se há-de implicar com certos e determinados países só porque protegem mais o sigilo bancário?

Compreendo que se deva negociar com esses países no sentido de incrementar a colaboração no que se refere à investigação criminal, pois o rasto do dinheiro pode ser prova essencial para combater máfias internacionais que se dedicam à extorsão, rapto, ao tráfico de pessoas, órgãos, armas, droga, etc.

Não compreendo que se faça isto em relação à aplicação do dinheiro por forma a diminuír os impostos. Porque o nível de impostos nas sociedades ocidentais é obsceno, e apenas devido à incompetência dos nosso governantes, que esbanjam dinheiro a torto e a direito, que fazem obras públicas de utilidade nula apenas para satisfazerem certas clientelas, que actuam numa impunidade gritante. Por mim, fugir aos impostos, no actual estado de coisas, é um dever ético de qualquer honrado cidadão. Só tenho pena é de não o poder fazer.

Além disso, este caso traz uma coisa mais: o funcionário do banco, que roubou informação confidencial, sendo isto um crime, pede 2.5 milhões de €€ (M€), e promete que o governo pode sacar 100 M€ em impostos! Ou seja, o governo ficaria a lucrar 97.5 M€. Quer dizer que os valores da justiça, nos quais o estado deveria ser o primeiro garante, passam a ser objecto de comércio!... se não fosse trágico, e um sinal de profunda decadência da concepção europeia de estado e da degradante qualidade dos políticos que nos governam, seria hilariante.

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