terça-feira, 19 de janeiro de 2010

o Alegre e o Louçã, com Sócrates pelo meio

Manuel Alegre anunciou o início da sua marcha rumo às eleições presidenciais do próximo ano. Atendendo ao calendário eleitoral, -lo cedo demais, abrindo cedo o jogo e correndo riscos desnecessários. Tornou uma corrida eleitoral numa maratona eleitoral, restando saber se tem fôlego para correr até ao fim.

E -lo apenas numa estratégia de condicionar o PS. Alegre quer impor-se como o candidato único da esquerda. Ao fazê-lo, pode ter ditado a sua sentença de derrota nas presidenciais. Por várias razões.

Alegre não ganha sem o apoio maciço do PS, quer dos eleitores quer do aparelho. Ora este tem alguma memória, e, além disso, não gosta que lhe seja imposto o candidato, gosta de gozar o poder de poder decidir por si. Por outro lado, o PS está em crise perante as severas dificuldades governativas, pelo que o ambiente no seu interior vai começar a aquecer e as divisões a surgir. No aparelho não falta quem esteja à espreita para fugir de Sócrates, pensando no futuro. Alegre contribuíu para este ambiente ao entrar num jogo duplo de alinhar com a esquerda ao PS criticando o governo da esquerda do PS. É a teoria do rato: é sempre o primeiro a abandonar o barco às primeiras pingas de água no seu interior. E Alegre escolheu saír por bombordo.

Ninguém ganha sem o apoio do eleitorado do "centrão", que ora vota PS ora vota PSD. E é extremamente improvável que Alegre, figura da esquerda profunda do PS e amigo do Bloco, venha a receber votos do centrão. Qualquer caloiro de estratégia no PS teria preferido uma figura mais central no espectro político, mais consensual na sociedade, ao jeito de, por ex., Jaime Gama. Alegre é profundamente desagradável a esse eleitorado. É laico, provavelmente maçon, e sempre esteve ao lado das denominadas "causas fracturantes". E isto paga-se.

Cavaco joga bem no facto de ser um político não-político. Disse há tempos que não era político profissional. Tem profissão de recuo, tem trajecto profissional. O povo gosta disto, pois detesta políticos, para mais numa altura em que parte do PS é arguida e/ou suspeita em processos de corrupção. Alegre é deputado desde 76, não se lhe conhecendo outra actividade profissional. É do sistema, quer queira quer não, e com o pior que o sistema tem.

Louçã é do anti-sistema. É anti tudo, só sabendo destruir. Mas sabe vender isto, que é nada, muito bem embrulhado, com rótulo de progressista, vanguardista. Soube-lhe a pato a candidatura de Alegre, mais ainda numa altura tão sensível como esta em que é à direita que Sócrates está a negociar o Orçamento de Estado. Louçã prepara-se para retirar louros deste facto, acusando quem se aliar a Sócrates de ser cúmplice na degradação da situação económica e social do País. A juntar a isto, através de Alegre, tem ainda o poder de condicionar o PS nesta decisão tão importante. É goleada de Louçã contra o PS.

É que, se Cavaco ganhar, vai cumprir-se certamente a tradição da 2ª República: 1º mandato presidente completamente ausente, 2º mandato presidente hiperinterveniente. E disto quer Sócrates fugir como o diabo da cruz, apenas conseguindo se Cavaco não for reeleito. É que Sócrates sabe que, se casos como o da Universidade Independente ou do FreePort tivessem ocorrido durante o 2º mandato de Cavaco, este não teria assobiado para o lado.

Para mais, Sócrates sabe que vai ter uma conjuntura extremamente difícil. As taxas de juro vão começar a subir em breve, o desemprego não vai parar de aumentar e o défice vai ter que ser reduzido, provocando a diminuição severa da capacidade do estado em intervir e em acudir. Em breve a sua popularidade vai começar a baixar, fruto das circunstâncias. Por isso anda tudo no jogo do empurra, porque a oposição quer cozer Sócrates em lume brando no caldeirão que ele construíu. E para Cavaco, após as presidenciais, Sócrates vai ser presa fácil. Tipo crocodilo jovem e faminto, escondido debaixo de água aguardando pacientemente o momento certo, contra gazela velha e doente, cheia de sede à beira do lago, a pobrezinha! É sem salvação nem misericórdia.

Pairam nuvens negras no horizonte de Sócrates. De certa forma, é bonito!

1 comentário:

  1. Parabéns pela análise. Ainda que nessa tua alegoria africana eu preferisse o crocodilo velho e sabido e a gazela jovem, vaidosa, e se não doente, porventura desviante...

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