terça-feira, 15 de setembro de 2009

a lição de Newton por Sá Carneiro

Helmut Newton, fotógrafo de origem judaica, bem nascido na cidade de Berlim em 1920, fugiu em 1938 da Alemanha nazi, rumando ao extremo oriente. Esteve por volta de um ano em Singapura mas, com o eclodir da guerra no Pacífico, decidiu rumar à Austrália por volta de 1939-1940. Quando aí chegou foi colocado no campo de Tatura, que os australianos tinham construído para acolher os judeus e refugiados da guerra da Europa, onde permaneceu até 1941. Sobre este período, às tantas, refere na sua auto-biografia (tradução minha):
"Alguns dos velhos camaradas de Tatura ainda hoje fazem encontros em Melbourne e Sydney. Chegam a apresentar uma velha fotocópia de jornal. Tenho recebido cópias, que deito imediatamente no lixo, porque acho esta coisa de viver do passado sem utilidade e não produtiva. Sempre achei. Quando eu comecei a queimar velhas fotografias e velhas cartas em Melbourne, antes de partirmos para a Europa, a June chorou. É uma coisa com a qual eu sempre estive obcecado, deitar coisas fora, viajar com tão pouca bagagem quanto possível, especialmente quando era novo. Sempre tive o costume de olhar para a frente, para o amanhã e nunca, jamais, estive interessado no passado. Hoje foi bom e amanhã pode ser ainda melhor." (fim de tradução)
estas são as palavras sábias de alguém que teve uma vida cheia. e que, por força dos fanatismos, teve que se fazer à vida, criando uma vida bem recheada de grandes realizações. Foi um dos fotógrafos mais célebres, e com toda a justiça, do Séc. XX. 
Por contraste, estas palavras fazem lembrar-me Manuel Alegre e seus camaradas antifascistas. Que reagiram contra um regime autocrático, o que é meritório. Só que foram incapazes, muitos deles, de construir uma alternativa de desenvolvimento e progresso, económico e social.
O caso mais flagrante é Mário Soares. Insurgiu-se contra o fascismo, é certo e merece todo o nosso respeito com isso. Mas, durante a democracia, sempre foi um mau primeiro ministro, ficando os seus governos relacionados a períodos de grande crise económica e social da nossa história democrática. Como presidente, foi parcial, verdadeira força de bloqueio, chegando a ser considerado "O" líder da oposição, o que prova a falência do seu mandato e de um regime republicano semi-presidencialista.
Fazem lembrar-me das comemorações dos 40 anos da Crise Académica de 1969, com todo o alarido feito à sua volta. Instalações de rua, conferências e sei lá mais o quê. Gente que, muito bem, gritou contra um regime sem sentido, regime este que, por surdez e por estupidez, não registou o aviso, não entendeu o sinal. Mas gente esta que, depois de a liberdade ter chegado, na sua maior parte, pouco ou nenhum contributo positivo deram para que a democratização se convertesse em desenvolvimento. 
Em Portugal abundam aqueles que se agarram a lutas passadas, especialmente contra o fascismo, para se legitimarem no poder. Seja no que for. O problema é que a sua incapacidade de contribuírem para a construção de um futuro melhor, não abdicando da ocupação do cadeirão do poder em nome dessa legitimidade adquirida contra a realidade passada, pode voltar-se contra as causas pelas quais nesse passado lutaram. Se a democracia, pela qual Manuel Alegre tanto lutou, não gerar prosperidade e desenvolvimento, essa democracia adoecerá, podendo, num cenário radical mas não impossível, desaparecer. Ora não consta que o desempenho de Manuel Alegre tenha contribuído para encher a despensa de algum português.
Gente que faz, rompe com o passado. porque no presente fez obra suficiente para melhorar e corrigir esse passado.
Sá Carneiro disse, no primeiro conselho de Ministros que presidiu, a todos os membros do seu Governo, porventura o melhor de sempre de Portugal: "têm meio ano para dizer mal do anterior governo; depois disso quero resultados". Ele também sabia. E fazia.

"All in all", quem não faz nada no presente, quem não constrói no presente, agarra-se sempre ao passado, seja ele qual for. E assim o País definha, e os portugueses empobrecem.

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